domingo, 18 de março de 2012

A cultura da tradição

 Nos Campos de Cima da Serra a mistura de gerações garante a preservação da arte musical
A Associação dos Acordeonistas preserva a tradição reunindo várias gerações de gaiteiros

A 112 km da capital gaúcha fica São Francisco de Paula, uma cidadezinha serrana com pouco mais de vinte mil habitantes, pequena em reconhecimento, mas enorme em talentos. O município cada vez mais vem se destacando em termos de tradição e tirando do anonimato grandes músicos e compositores.
De São Chico, como é carinhosamente chamada, saíram grandes nomes da música tradicionalista e foi aqui que nasceram canções que hoje soam como hino para os apreciadores da cultura e tradição regionalista.
Pensando nisso e em reunir todos esses talentos, foi fundada no dia 5 de abril de 2011 a Associação de Acordeonistas e Gaiteiros de São Francisco de Paula e dos Campos de Cima da Serra, com o objetivo de reunir todos os interessados na arte de tocar esse instrumento e agregar valores para a nova geração de gaiteiros da região serrana.

União de gerações

Atualmente a Associação conta com cerca de 50 músicos acordeonistas, iniciantes e experientes, numa mistura de gerações em prol da mesma causa, preservar e enaltecer a arte daqueles que tão bem tocaram nosso Rio Grande.
O membro mais novo da Associação tem nove anos. O jovem acordeonista Flamarion Fagundes Pinto começa a dar os primeiros passos na música. O mais velho, seu Volme Marques, Vice-Presidente da instituição, já conta 80 primaveras, a prova de que o respeito e a união fazem a diferença quando o assunto é tradição.

A terra dos grandes gaiteiros

A questão geográfica é um fator que influenciou o desenvolvimento dos gaiteiros da região, explica o acordeonista e Presidente da Associação Israel da Sois.
“A distância dos grandes centros onde mais se tocava o instrumento, como Porto Alegre, Pelotas e Montevidéu, ajudou a desenvolver as habilidades com o acordeon, antigamente nos acampamentos tropeiros eram tocadas as gaitas de oito baixos, um instrumento portátil que sozinho desempenhava todas as funções, mesmo com poucos recursos”, conta.
O acordeonista Israel da Sois presidente da Associação

         Este subtítulo que São Francisco de Paula carrega de "Terra dos Grandes Gaiteiros" tem origem na dupla de acordeonistas Os Irmão Bertussi, explica o poeta e pesquisador tradicionalista Léo Ribeiro de Souza. “Antes do surgimento dos gaiteiros da Mulada em Criúva, então pertencente ao nosso município serrano, só se ouvia o sanfoneiro Mário Zan, o catarinense Pedro Raimundo e sua famosa cordeona branca, músicas sertanejas e tangos portenhos. No sul, alguns trabalhos missioneiros com influência platina. Após a formação da dupla pioneira no estilo "galponeiro", ou seja, o ritmo bailável, dezenas de gaiteiros surgiram seguindo os passos de Honeyde  e Adelar Bertussi. Foi o caso de Albino Manique, Edson Dutra, Gildinho e centenas de outros músicos que trazem o dom de, através de seus dedos, levar alegria ao povo gaúcho”, afirma Léo.
Talentos como os dos Irmãos Bertussi, que até hoje têm suas músicas gravadas e executadas Brasil a fora, Albino Manique, Gonzaga dos Reis, Ângelo Marques e tantos outros gaiteiros ainda sem o reconhecimento merecido, estão surgindo e se aperfeiçoando cada vez mais no município.
Certa vez, em seu blog Léo Ribeiro de Souza comentou sobre a recém formada Associação dos Campos de Cima da Serra. “Temos a certeza de que vários diamantes na forma de gaiteiros estão sendo lapidados fazendo com que esta característica serrana seja preservada para o bem da nossa tradição”.  Nisso encontra-se o alicerce desta Associação, preservar a característica serrana de se tocar a gaita.
“A influência portuguesa, a música espanhola, o vigor do inverno, o trabalho no campo. Tudo isso foi contribuindo para formar essa maneira ímpar de tocar o acordeon. A vida dura e ao mesmo tempo a alegria desse povo sofrido, tudo isso está registrado na maneira de tocar daqui e tem suas origens também aqui, nos Campos de Cima da Serra”, acrescenta Israel.
Outra característica da música serrana é a ousadia. Honeyde Bertussi foi um dos músicos precursores no uso do cavaquinho, bateria e tantos outros instrumentos junto ao acordeon. “Não é fácil encontrar tanta gente que toque um repertório tão variado num local tão pequeno, há alguns casos na Europa, mas é muito difícil”, comenta o presidente da Associação.
         Se depender dos acordeonistas de Cima da Serra, esse estilo único de tocar o Vanerão, o Chote e o Bugio continuará se perpetuando para que não morram as composições. “Para ocorrer a evolução na música, sem falsos modismos. Modismo passa, evolução fica”. Conclui Israel.


Os jovens acordeonistas Vicente Tonello e Flamarion Pinto seguem os passos dos mais experientes


*Texto e fotos Karine Klein

Nenhum comentário:

Postar um comentário