Nos Campos de Cima da Serra a mistura de gerações
garante a preservação da arte musical
A Associação dos Acordeonistas preserva a tradição reunindo várias gerações de gaiteiros |
A 112 km da capital gaúcha fica São Francisco de
Paula, uma cidadezinha serrana com pouco mais de vinte mil habitantes, pequena
em reconhecimento, mas enorme em talentos. O município cada vez mais vem se
destacando em termos de tradição e tirando do anonimato grandes músicos e
compositores.
De São Chico, como é carinhosamente chamada, saíram
grandes nomes da música tradicionalista e foi aqui que nasceram canções que
hoje soam como hino para os apreciadores da cultura e tradição regionalista.
Pensando nisso e em reunir todos esses talentos, foi
fundada no dia 5 de abril de 2011 a Associação de Acordeonistas e Gaiteiros de
São Francisco de Paula e dos Campos de Cima da Serra, com o objetivo de reunir
todos os interessados na arte de tocar esse instrumento e agregar valores para
a nova geração de gaiteiros da região serrana.
União de
gerações
Atualmente a Associação conta com cerca de 50 músicos
acordeonistas, iniciantes e experientes, numa mistura de gerações em prol da
mesma causa, preservar e enaltecer a arte daqueles que tão bem tocaram nosso
Rio Grande.
O membro mais novo da Associação tem nove anos. O
jovem acordeonista Flamarion Fagundes Pinto começa a dar os primeiros passos na
música. O mais velho, seu Volme Marques, Vice-Presidente da instituição, já
conta 80 primaveras, a prova de que o respeito e a união fazem a diferença
quando o assunto é tradição.
A terra dos grandes
gaiteiros
A questão geográfica é um fator que influenciou o
desenvolvimento dos gaiteiros da região, explica o acordeonista e Presidente da
Associação Israel da Sois.
“A distância dos grandes centros onde mais se tocava o
instrumento, como Porto Alegre, Pelotas e Montevidéu, ajudou a desenvolver as
habilidades com o acordeon, antigamente nos acampamentos tropeiros eram tocadas
as gaitas de oito baixos, um instrumento portátil que sozinho desempenhava
todas as funções, mesmo com poucos recursos”, conta.
O acordeonista Israel da Sois presidente da Associação |
Este subtítulo que São Francisco de Paula carrega de "Terra dos
Grandes Gaiteiros" tem origem na dupla de acordeonistas Os Irmão Bertussi,
explica o poeta e pesquisador tradicionalista Léo Ribeiro de Souza. “Antes do
surgimento dos gaiteiros da Mulada em Criúva, então pertencente ao nosso
município serrano, só se ouvia o sanfoneiro Mário Zan, o catarinense Pedro
Raimundo e sua famosa cordeona branca, músicas sertanejas e tangos portenhos.
No sul, alguns trabalhos missioneiros com influência platina. Após a formação
da dupla pioneira no estilo "galponeiro", ou seja, o ritmo bailável,
dezenas de gaiteiros surgiram seguindo os passos de Honeyde e Adelar
Bertussi. Foi o caso de Albino Manique, Edson Dutra, Gildinho e centenas de
outros músicos que trazem o dom de, através de seus dedos, levar alegria ao
povo gaúcho”, afirma Léo.
Talentos como os dos Irmãos Bertussi, que até hoje têm
suas músicas gravadas e executadas Brasil a fora, Albino Manique, Gonzaga dos
Reis, Ângelo Marques e tantos outros gaiteiros ainda sem o reconhecimento
merecido, estão surgindo e se aperfeiçoando cada vez mais no município.
Certa
vez, em seu blog Léo Ribeiro de Souza comentou sobre a recém formada Associação
dos Campos de Cima da Serra. “Temos a certeza de que vários diamantes na forma
de gaiteiros estão sendo lapidados fazendo com que esta característica serrana
seja preservada para o bem da nossa tradição”.
Nisso encontra-se o alicerce desta Associação, preservar a característica
serrana de se tocar a gaita.
“A
influência portuguesa, a música espanhola, o vigor do inverno, o trabalho no
campo. Tudo isso foi contribuindo para formar essa maneira ímpar de tocar o
acordeon. A vida dura e ao mesmo tempo a alegria desse povo sofrido, tudo isso
está registrado na maneira de tocar daqui e tem suas origens também aqui, nos
Campos de Cima da Serra”, acrescenta Israel.
Outra
característica da música serrana é a ousadia. Honeyde Bertussi foi um dos
músicos precursores no uso do cavaquinho, bateria e tantos outros instrumentos
junto ao acordeon. “Não é fácil encontrar tanta gente que toque um repertório
tão variado num local tão pequeno, há alguns casos na Europa, mas é muito
difícil”, comenta o presidente da Associação.
Se depender dos acordeonistas de Cima
da Serra, esse estilo único de tocar o Vanerão, o Chote e o Bugio continuará se
perpetuando para que não morram as composições. “Para ocorrer a evolução na
música, sem falsos modismos. Modismo passa, evolução fica”. Conclui Israel.
Os jovens acordeonistas
Vicente Tonello e Flamarion Pinto seguem os passos dos mais experientes
|
*Texto e fotos Karine Klein
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