segunda-feira, 9 de abril de 2012

Em tempo de pinha no pé


Este texto "Catadores de pinhão, defensores da araucária", foi escrito em 2008 e publicado na Revista Terra da Gente. Agora que é outono, vale a pena recordar. Boa leitura...



Em tempos de grandes colheitas com máquinas computadorizadas, a arte manual da extração de sementes se mantém na região serrana do Rio Grande do Sul, onde ainda existem as Matas de Araucária ou pinheiro brasileiro. Trata-se de um ecossistema que acontece em altitudes superiores a 600 metros, atinge bom desenvolvimento em 50 anos e forma com suas copas um extrato acima das outras árvores permitindo em seu interior, a formação de uma grande diversidade de espécies vegetais.
A sua semente, o pinhão, é um importante alimento para muitos animais que vivem nas matas de araucárias, como gralhas, pequenos roedores e bugios.

foto de Karine Klein
Meados de abril de 2.008 e mais uma vez a família de Selmiro Trentin, 62 anos, natural de São Francisco de Paula, se prepara para a coleta do pinhão. O pinhão é uma semente de valioso teor nutricional. Tanto que era a principal fonte de alimentação de algumas tribos indígenas no sul do Brasil. Sua polpa é formada basicamente de amido, sendo muito rica em vitaminas do complexo B, cálcio, fósforo e proteínas. Atualmente é muito utilizada na alimentação humana, principalmente no inverno por ser muito calórica.O pinhão se forma dentro da pinha fechada (formato redondo), que com o tempo vai se abrindo e liberta o pinhão. Cada pinha contém de 10 a 150 sementes (ou pinhões ).
A araucária esteve ameaçada de extinção, nas décadas de 50 e 60, quando matas inteiras eram derrubadas e sua madeira exportada. Hoje a araucária, que produz pinhão entre abril e julho, está protegida por lei. Seu formato é singular:o tronco ergue-se reto, sem nenhum desvio e se ramifica apenas no topo, formando a interessante copa, com os ramos desenvolvendo-se horizontalmente, as pontas curvadas para cima; superpostos uns aos outros, formando vários andares. A rotina da família Trentin acontece próxima à Mata de Araucárias. Plantar, criar boi, porco e até galinha. Tudo para garantir o sustento mínimo durante o ano. Na temporada do pinhão, os homens da família, inclusive os meninos, se mobilizam para caminhar entre o pinheral e examinar pinheiro por pinheiro. “Na verdade a gente passa o ano todo cuidando as pinhas. Elas bem pequeninhas e vão crescendo. Vamos cuidando para ver quando dá de tirar”, explica Selmiro. Quando avistam a pinha no tamanho certo, mais ou menos do tamanho de uma bola de handebol (algumas chegam a parecer uma bola de basquete), verde escuro e presa entre os galhos altos da araucária, é hora de preparar as “trepas” nas botas para escalar o tronco de  aproximadamente 20 m de altura. O diâmetro do caule na base pode ultrapassar 2 metros e o da copa 10 metros. É que Loivo Moraes Trentin, 40 anos, filho de Selmiro se prepara para subir. “Subo em pinheiro desde guri e nunca caí, mas tenho medo. Na verdade é receio. Tem que cuidar a passada de um galho para outro e a descida é muito perigosa”, conta Loivo, também conhecido como Nego. Ele disse que, na média, são 20 pinheiros que ele sobe e desce por dia na temporada de coleta. Trava nas botas e mãos no caule. As mãos são protegidas somente por um saco ou por um pano. em cima, além de se firmar, tem que pegar uma taquara de 5m (alcançada pelos ajudantes) e com ela empurrar as pinhas até cair. Maduras caem no chão e são recolhidas. As que debulham precisam ter os pinhões catados um por um.
Na temporada do pinhão (de dois a três meses) o sustento da família está garantido com a coleta. Em média são oito mil kg recolhidos e vendidos na beira de estrada, em armazéns. “Este ano nãobom, não vai passar de dois mil quilos”, comenta Selmiro. Além de retirar o pinhão das próprias terras, a família também faz acordo com outros proprietários de pinherais. “Esta é uma época perigosa. O pessoal vai entrando na terra dos outros e tirando pinhão sem permissão do dono. Então os donos nos chamam e pedem para tirar as pinhas. Fazemos uma partilha entre o proprietário e nós. E assim vamos passando a temporada”, fala Selmiro. Nego completa que nestas invasões, o pessoal rouba o pinhão, corta cerca e “mata animal. Não é uma época muito fácil”. Apesar de tudo Nego não pensa em largar a coleta de pinhão. “Aqui a genteem cima do que é nosso. Enquantopara viver bem, vamos ficando”. Os meninos, que ajudam são filhos, netos, amigos dos netos, e ficam no chão ajudando a catar os pinhões. Perguntados sobre a vontade de subir no pinheiro, eles riem e dizem que se aventuraram, mas que hoje ficam no chão. “É perigoso”, completa Nego. Outra regra é que em dia de chuva ninguém sobe em pinheiro. Se fica no galpão debulhando as pinhas, separando os pinhões e ensacando para vender.
Pinhão tem ano bom e ano ruim. Dizem que se num ano a produção é boa, no outro é o contrário. É o que se diz na região entre as pessoas. “Sempre se ouviu isto. Pai diz pra filho e assim por diante. Não sei qual é a explicação”, explica Selmiro. A família também cuida as mudas novas de araucárias. “No matoque nem inço. A gente nem mexe, é mais pinheiro no futuro. O primeiro pinheiro que plantei tem uns quinze anos e tá dando pinhão. Agora é sempre deixar uns no chão e a terra cuida de tudo.” A semente é uma espécie resistente, tolera até incêndios rasos em razão de sua casca grossa que faz papel de isolante térmico. A capacidade de germinação é alta e chega a 90% em pinhões recém-colhidos.
A família Trintin não tem visto derrubada de araucária. “A lei não deixa, né? louco vai cortar”, responde Selmiro. A preocupação desta família é coletar seu sustento entre subidas e descidas em pinheiros, num mato de barulhos tão diferentes dos habituais aos ouvidos urbanos. Em tempo de luzes rarefeitas e debulhas freqüentes.

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