Este texto "Catadores de pinhão, defensores
da araucária", foi escrito em 2008 e publicado na Revista Terra da Gente. Agora que é outono, vale a pena recordar. Boa leitura...
Em tempos de grandes colheitas
com máquinas
computadorizadas, a arte manual
da extração de sementes
se mantém na região serrana
do Rio Grande
do Sul, onde ainda existem as Matas de Araucária
ou pinheiro
brasileiro. Trata-se de um
ecossistema que
acontece em altitudes
superiores a 600 metros,
atinge bom desenvolvimento
em 50 anos
e forma com
suas copas
um extrato
acima das outras árvores
permitindo em seu
interior, a formação
de uma grande diversidade
de espécies vegetais.
A sua semente,
o pinhão, é um
importante alimento
para muitos animais que
vivem nas matas de araucárias,
como gralhas,
pequenos roedores
e bugios.
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foto de Karine Klein |
Meados de abril
de 2.008 e mais uma vez
a família de Selmiro Trentin, 62 anos, natural
de São Francisco de Paula, se prepara para a coleta do pinhão.
O pinhão é uma semente
de valioso teor
nutricional. Tanto que
era a principal
fonte de alimentação
de algumas tribos indígenas
no sul do Brasil. Sua
polpa é formada basicamente de amido, sendo muito rica em vitaminas do complexo
B, cálcio, fósforo
e proteínas. Atualmente
é muito utilizada na alimentação humana,
principalmente no inverno
por ser muito calórica.O
pinhão se forma dentro
da pinha fechada (formato
redondo), que
com o tempo
vai se abrindo e liberta o pinhão. Cada pinha contém de 10 a 150 sementes (ou pinhões ).
A araucária já
esteve ameaçada de extinção, nas décadas de 50 e 60, quando
matas inteiras eram derrubadas
e sua madeira
exportada. Hoje a araucária,
que produz pinhão
entre abril
e julho, está protegida por lei. Seu formato é singular:o tronco
ergue-se reto, sem
nenhum desvio
e se ramifica apenas no topo, formando a interessante copa,
com os ramos
desenvolvendo-se horizontalmente, as pontas curvadas para cima; superpostos uns aos outros,
formando vários andares.
A rotina da família
Trentin acontece próxima à Mata de Araucárias. Plantar, criar boi, porco e até galinha. Tudo para garantir
o sustento mínimo
durante o ano.
Na temporada do pinhão,
os homens da família,
inclusive os meninos,
se mobilizam para caminhar
entre o pinheral e examinar
pinheiro por
pinheiro. “Na verdade
a gente passa
o ano todo
cuidando as pinhas. Elas
bem pequeninhas e vão
crescendo. Vamos cuidando para
ver quando dá
de tirar”, explica Selmiro. Quando
avistam a pinha no tamanho
certo, mais
ou menos
do tamanho de uma bola
de handebol (algumas chegam a parecer
uma bola de basquete),
verde escuro
e presa entre
os galhos altos
da araucária, é hora
de preparar as “trepas” nas botas
para escalar o tronco de
aproximadamente 20 m de altura. O
diâmetro do caule
na base pode ultrapassar
2 metros e o da copa
10 metros. É aí
que Loivo Moraes
Trentin, 40 anos, filho
de Selmiro se prepara para
subir. “Subo em
pinheiro desde
guri e nunca
caí, mas tenho medo.
Na verdade é receio. Tem que cuidar a passada de um galho para outro e a descida
é muito perigosa”, conta
Loivo, também conhecido
como Nego.
Ele disse que,
na média, são
20 pinheiros que
ele sobe e desce por
dia na temporada
de coleta. Trava
nas botas e mãos
no caule. As mãos
são protegidas somente
por um
saco ou
por um
pano. Lá
em cima,
além de se firmar,
tem que pegar
uma taquara de 5m (alcançada pelos ajudantes)
e com ela
empurrar as pinhas
até cair.
Maduras caem no chão e são recolhidas. As que
debulham precisam ter os pinhões
catados um por
um.
Na temporada do pinhão
(de dois a três
meses) o sustento da família está garantido com
a coleta. Em
média são oito mil kg recolhidos e vendidos na beira
de estrada, em
armazéns. “Este
ano não
tá bom, não
vai passar de dois mil quilos”,
comenta Selmiro. Além de retirar
o pinhão das próprias terras, a família
também faz acordo
com outros
proprietários de pinherais. “Esta é uma época perigosa. O pessoal
vai entrando na terra dos outros
e tirando pinhão sem
permissão do dono.
Então os donos
nos chamam e pedem para
tirar as pinhas.
Fazemos uma partilha entre o proprietário e nós.
E assim vamos passando a temporada”, fala
Selmiro. Nego completa
que nestas invasões,
o pessoal rouba
o pinhão, corta cerca
e “mata animal.
Não é uma época
muito fácil”.
Apesar de tudo
Nego não
pensa em
largar a coleta
de pinhão. “Aqui
a gente tá em
cima do que
é nosso. Enquanto
dá para viver bem, vamos ficando”. Os meninos,
que ajudam são
filhos, netos,
amigos dos netos,
e ficam no chão ajudando a catar os pinhões.
Perguntados sobre a vontade
de subir no pinheiro,
eles riem e dizem que
já se aventuraram, mas
que hoje
ficam no chão. “É perigoso”,
completa Nego.
Outra regra
é que em
dia de chuva
ninguém sobe em
pinheiro. Se fica no galpão debulhando as pinhas,
separando os pinhões e ensacando para vender.
Pinhão tem ano bom e ano ruim. Dizem que
se num ano a produção
é boa, no outro é o contrário.
É o que se diz na região
entre as pessoas.
“Sempre se ouviu isto.
Pai diz pra
filho e assim
por diante.
Não sei qual
é a explicação”, explica Selmiro. A família também
cuida as mudas novas
de araucárias. “No mato
dá que nem
inço. A gente nem
mexe, é mais pinheiro
no futuro. O primeiro
pinheiro que
plantei tem uns quinze anos e já tá dando pinhão.
Agora é sempre
deixar uns no chão
e a terra cuida de tudo.”
A semente é uma espécie
resistente, tolera até incêndios rasos
em razão
de sua casca
grossa que
faz papel de isolante
térmico. A capacidade
de germinação é alta
e chega a 90% em
pinhões recém-colhidos.
A família Trintin não
tem visto derrubada
de araucária. “A lei
não deixa,
né? Só louco
vai cortar”, responde Selmiro. A preocupação desta família
é coletar seu
sustento entre
subidas e descidas
em pinheiros,
num mato de barulhos
tão diferentes
dos habituais aos ouvidos
urbanos. Em
tempo de luzes
rarefeitas e debulhas freqüentes.